Efeito Borboleta – por Ruy Smith
"Governador Waldez está fulo da vida com os deputados, por causa das mudanças no orçamento para 2010; acha que foi despropósito o ato de transferir do executivo para os demais poderes um percentual adicional ao previsto em sua proposta. Espera da reduzida oposição na Assembléia a resistência ao fato, como se dois adversários pudessem mais que os vinte e dois amigos seus.
Lembro que a oposição sempre buscou, nos anos anteriores do governo Waldez, diminuir os percentuais orçamentários dos demais poderes, mantendo a maior fatia possível no executivo, e nunca contou com auxílio do próprio nessa luta. Nem uma palavra sequer foi balbuciada pelo governante em defesa do orçamento. Dizia ele que a harmonia entre os poderes era a mola mestra da paz e do bem estar social
Agora o governador reclama, como se a transferência orçamentária aprovada pela AL fosse o empecilho para que ele, no finzinho, cumprisse todas as promessas não resgatadas nos sete anos anteriores de gestão, quando teve todas as condições que quis: orçamento ao seu molde, Assembléia como parceira irrestrita e tudo o mais.
De 2003 a 2009, quando os orçamentos foram aprovados como mandou o governador, serviços públicos cruciais retrocederam: a CAESA está falida e o sistema de água em colapso; esgoto, não foi construído um metro sequer e somos o último da nação nesse indicador; a CEA teve acréscimo de 800% em sua dívida que ultrapassa a casa de R$ 1,0 bilhão, e não paga a Eletronorte desde o primeiro mês do atual governo; a gestão da educação é acusada de desviar milhões de Reais do erário, e a única atitude do governador foi mandar exonerar quem denunciou e brigar com quem divulgou.
A saúde não encontra precedente recente para o caos instalado. Aparelhos roubados, plantões graciosos, falta de atendimento e remédio está generalizado. O modo Waldez de fazer saúde é a “caravana da saúde”, incursões eleitorais feitas esporadicamente aos municípios do interior, como se o povo pudesse escolher data para adoecer. Os fatos mais marcantes nesse setor foram as operações policiais promovidas pela PF.
A política de habitação não existe; das 10 mil casas prometidas em 2002, pouco mais de 600 foram efetivamente entregues; nenhum novo loteamento urbano foi construído e a população ficou à mercê da especulação imobiliária; já é de mais de 31.600 unidades habitacionais o déficit no Amapá, medido pela FVG em 2008, com base no PNAD.
O que falar dos tão decantados “eixos estruturantes” do governo? Ou do “capitalismo sustentável” criado por Waldez? Aquele, um vazio discurso decorado; esse, uma baboseira da imprensa quase oficial.
Enfim, a própria FGV mediu, em 2008, o IDSE (índice de desenvolvimento sócio-econômico) criado com base em 33 indicadores sociais e econômicos para aferir o que o próprio nome contempla, e concluiu que o Amapá foi o único estado, nos últimos anos, que regrediu nesse contexto, em praticamente todos os indicadores, na contramão do orçamento público que progrediu sempre; o governo, como se fosse a FGV a administradora do estado, preferiu culpá-la a tentar corrigir os rumos baseado nos resultados da pesquisa.
O fato é que Waldez, mormente todas as condições políticas e orçamentárias favoráveis, não cumpriu o que prometeu: dias melhores ao povo do Amapá. Pouco pão e muito circo. Agora, quando a Casa limita sua atuação desastrosa, restringe os contratos administrativos e a criação de gerências de projetos, diminui de 40% para 2% o percentual orçamentário passível de mudanças sem autorização legislativa, acaba com a possibilidade de contrair empréstimos sem autorização em lei específica, aumenta a fiscalização sobre pagamento de precatórios e débitos de exercícios passados, estabelece desde o início o orçamento real dos demais poderes independente do humor do executivo para suportes adicionais, corta as despesas com propaganda e até as da residência oficial, o governador chia.
Á propósito, não deveria chiar, pois o orçamento encaminhado pelo governo é uma porcaria, do ponto de vista da contemplação da sociedade. A peça revela, na essência, as prioridades do governante e dos grupos políticos que o apóiam, e não a vontade dos técnicos lastreada na demanda pública. Apenas como exemplos, como pode a residência oficial ter o mesmo peso da Auditoria Geral (R$ 400 mil x R$ 463 mil) ou o recurso para construção de casas populares ser exatamente igual ao reservado a pesquisas de opinião pública (R$ 600 mil); a vice-governadoria ter orçamento equivalente ao da Defensoria Pública (R$ 568 mil x R$ 616 mil); a Agência de Pesca ter menos que a Rádio Difusora (R$ 675 mil x R$ 751 mil); a Ouvidoria Geral ser peça decorativa na Administração (R$ 231 mil) ou a Secretaria Extraordinária de Representação em Brasília ter igual tratamento orçamentário que a Secretaria Extraordinária de Políticas para as Mulheres (R$ 694 mil x R$ 700 mil) e, o pior, que todos os acima citados signifiquem menos da metade do orçamento para propaganda oficial (R$ 12,3 milhões) ?
Nem entro no mérito das aplicações mais que duvidosas dos recursos, dos desvios de medicamentos, do soro e da merenda superfaturados, das modestas obras de preços faraônicos, do roubo dos recursos dos artesãos, da falta de licitação nos gastos milionários das feiras, das obras abandonadas, dos recursos federais devolvidos, do PAC empacado, da falta de merenda nas escolas e da falta de escolas, e outras mazelas.
Na apreciação do veto do governador às mudanças feitas pela Assembléia, portanto, a oposição e aqueles que desejam mudanças radicais de rumos precisam identificar bem seus papeis. Nesse caso, penso eu, a emenda é melhor do que o soneto. Fazer a vontade do governador é garantir a instrumentalização do orçamento como carro-chefe da eleição de seu favorito, mantendo tudo como dantes no quartel de Abrantes. Não dá para exultar com o gol sofrido. Reclamar, depois, que a vitória eleitoral foi roubada ou que o Amapá e seu povo continuam regredindo é apenas declarar-se cúmplice.
Mas, poucas verdades são absolutas. É possível que Waldez esteja pensando no povo do Amapá, e não nos seus eleitores dispersos nas assessorias especiais, gerências e contratos administrativos, no rol de parentes que o auxiliam na administração, nos eventos sociais da residência e nas mesuras em palácio, na facilidade em mudar as metas de governo através da alteração desbragada do orçamento, nos pagamentos de débitos duvidosos da década passada, na campanha de senador e na vaga do TCE que está a ser preenchida esse ano.
Enfim, em cada cabeça uma sentença. A minha diz que não me cabe promover a governabilidade de uma administração temerária, para dizer o mínimo. Não sou tão crédulo a ponto de pensar que o melhor é deixar a faca e o queijo na mão de Waldez para que ele tenha condições de fazer em um ano o que não fez em sete. Essa lógica poderá fazer com que tenhamos mais do mesmo. A teoria do caos (nada a ver com desastres) diz que basta uma pequena mudança no início de qualquer evento para que o resultado seja o inesperado (leiam mais sobre efeito borboleta, ou vejam o filme). Isso é tudo que Waldez não quer, e é tudo o que a oposição espera. Sou oposição, duela a quem duela!".
Ruy Smith é deputado estadual(PSB).
http://www.lucianacapiberibe.com/2010/01/22/efeito-borboleta-por-ruy-smith/